Lado B de Ronaldo: fuga nos EUA, aventura no Kosovo e piada na ONU

06-06-2011 11:02

tual diretor de comunicação da CBF e ex-assessor de imprensa do craque, Rodrigo Paiva relembra histórias de bastidores do pentacampeão

Por Leandro Canônico e Márcio Iannacca São Paulo

ronaldo final copa 2002 rodrigo paiva (Foto: AFP)Ronaldo com Rodrigo Paiva (dir) na Copa de 2002
(Foto: AFP)

Vail, no estado do Colorado, nos Estados Unidos, é muito conhecida por abrigar uma famosa estação de esqui. Mas o que poucos sabem é que a cidade americana tem importante ligação com o futebol. Ou melhor, com Ronaldo. Foi de lá que o Fenômeno fugiu em 2001 atrás de uma opinião médica contrária à de Richard Steadman. O médico estava convicto e decidido: mesmo depois de uma delicada cirurgia para a reconstrução dos ligamentos do joelho direito, o atacante precisava de nova intervenção. Caso contrário, sua carreira estava acabada.

Portanto, o verbo fugir, nesse caso, não está em sentido figurado. Ainda abatido por conta da pior lesão de sua carreira, Ronaldo, acompanhado do então assessor de imprensa Rodrigo Paiva e do fisioterapeuta Nilton Petrone, o Filé, deixou a clínica de reabilitação americana, sugerida e bancada por sua patrocinadora principal, na calada da madrugada e partiu rumo a Paris, na França. Lá, o atacante conversaria com o médico Gerard Saillant, responsável pela cirurgia realizada meses antes no joelho direito do atleta. E a opinião foi confortante.

- O Ronaldo estava sofrendo demais para recuperar o arco do joelho. Ou seja, para movimentar novamente, para frente e para trás. As dores para conseguir uma mudança de um centímetro eram fortes. Foi quando o Steadman disse que era necessária outra cirurgia, porque ele não conseguiria mais. Eu, o Ronaldo e o Filé, então, saímos de madrugada de Vail, deixando tudo lá, e procuramos o Saillant. Foi quando ele disse que recuperaria o Ronaldo sem outra cirurgia. Aconteceu que só eu voltei ao Colorado para pegar as bagagens... – contou Rodrigo Paiva.

Atual diretor de comunicação da CBF, Paiva foi assessor de imprensa de Ronaldo do fim de 1998 a maio de 2005. Aliás, houve um longo período em que ele conciliava o trabalho com o craque e suas atividades na entidade que comanda o futebol brasileiro. E por ter vivido muito tempo com o Fenômeno, Rodrigo tem algumas histórias para contar. Especialmente essas do “lado B”. E às vésperas da despedida do Fenômeno na Seleção Brasileira, no amistoso com a Romênia, nesta terça-feira, às 21h50m (de Brasília), no Pacaembu, ele resolveu falar de algumas delas.

O momento mais difícil que vivi com o Ronaldo, incluindo a vida pessoal, foi depois da segunda lesão no joelho direito"
Rodrigo Paiva

Rodrigo e Ronaldo foram grandes amigos até fevereiro de 2005, quando o pentacampeão resolveu casar com a modelo e apresentadora Daniela Cicarelli (durou três meses). Por divergências na condução da relação, os dois romperam os laços pessoais e profissionais no dia do enlace matrimonial. Conviveram, é verdade, durante a Copa de 2006, na Alemanha, mas não com a mesma proximidade. Recentemente, porém, um almoço no Rio de Janeiro os aproximou novamente, mas sem falar do passado. Tudo o que aconteceu, segundo Paiva, ficou para trás.

- O momento mais difícil que vivi com o Ronaldo, incluindo a vida pessoal, foi depois da segunda lesão no joelho direito (abril de 2000). Era para ser o dia de alegria máxima, afinal ele voltava de cinco meses de recuperação da primeira lesão, e logo com seis, sete minutos em campo ele tem uma ruptura total dos ligamentos. Foi triste demais. Um trauma. Teve jogador adversário chorando, outros indo ao vestiário saber dele. No dia seguinte, no avião indo a Paris para cirurgia, ele me disse: “Minha carreira acabou”. Mas eu disse que ele poderia ressuscitar.

E Ronaldo realmente ressuscitou. A prova foi o protagonismo na Copa do Mundo de 2002, conquistada pelo Brasil com vitória por 2 a 0 sobre a Alemanha, com dois gols do Fenômeno. Lembrar-se daquele dia, aliás, faz Rodrigo Paiva se emocionar. Presente em cada passo da recuperação do jogador, o diretor de comunicação da CBF foi quem recebeu o primeiro abraço do camisa 9 naquele dia. A bola ainda rolava no estádio de Yokohama, no Japão, mas o ídolo, substituído e enrolado em uma bandeira do Brasil, com lágrimas escorrendo pelo rosto, falou em seu ouvido.

- Deus foi muito bom para mim, ele dizia em meu ouvido. Nem no melhor dos meus sonhos eu poderia imaginar isso, ele completou. A história do Ronaldo é uma das mais lindas que vi no esporte e para mim a mais linda do futebol. Ele chegou ao fundo do poço e meses depois estava no topo, no auge. Impressionante! – comentou Rodrigo, com voz embargada e lágrimas nos olhos.

- Eu me emociono mesmo quando lembro isso tudo – acrescentou.

Ronaldo CT Seleção (Foto: Reprodução)Ronaldo visita a Seleção no CT do Corinthians e tira foto com os amigos (Foto: Reprodução)

Marketing, preleção, medo...
Em recuperação da cirurgia no joelho direito, Ronaldo estava longe dos gramados e consequentemente longe da mídia. Mas Rodrigo Paiva não parou de procurar ações para colocar o seu cliente e amigo nas manchetes dos jornais. E uma das atitudes mais loucas que teve foi promover uma visita a Gjakove, a cidade mais devastada do Kosovo, no leste europeu. O país foi assolado pela guerra e o Fenômeno, via ONU, doou dinheiro para arrumar o sistema de calefação de uma escola.

O Ronaldo é muito natural em suas respostas e ele adora uma brincadeira"
Rodrigo Paiva

- Teve um momento em que todos sumiram, mas eu consegui sustentá-lo na mídia. Em 2000, eu recebi um telefonema da ONU pedindo uma doação para uma escola no Kosovo. Só que eu disse que ele só doaria o dinheiro se pudesse ir à escola. Eles se assustaram e disseram que era impossível. Neguei. Dez dias depois, recebi uma ligação dizendo que haviam feito um forte esquema de segurança e que seria possível. Foi a maior mídia espontânea da história da ONU – contou Rodrigo Paiva.

O diretor de comunicação da CBF lembra ainda que Kofi Annan, então secretário geral da ONU, ficou empolgado com tamanha repercussão e convidou Ronaldo para uma reunião com estrelas de Hollywood. Fã do Fenômeno, Annan o citou como exemplo e afirmou que sua palavra seria importante em uma ação de divulgação do uso de preservativos, contra doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada. Mas o ex-atacante, bem-humorado, rechaçou tal rótulo.

- O Ronaldo é muito natural em suas respostas e adora uma brincadeira. Quando o Kofi Annan disse aquilo, ele logo respondeu: ‘Eu não sou exemplo para isso. Do contrário a minha mulher (à época Milene Domingues, mãe de Ronald) não teria ficado grávida’.

Até mesmo nos momentos mais tensos, segundo Paiva, Ronaldo procurava descontrair com uma piada. No Kosovo, por sinal, ele recebeu uma caixa de presente de uma garota. Dentro, havia uma espécie de relógio, que fazia “tic tac”. Após tantas recomendações das autoridades locais, o presente mudou de mãos.

- Quando abriu e escutou o barulhinho, ele sorriu e disse que era para eu segurar, porque se fosse uma bomba ele não poderia morrer. Eu, sim – lembrou Paiva.

Ronaldo Carrinho Seleção Brasileira (Foto: Marcos Ribolli/GLOBOESPORTE.COM)Ronaldo passeia em carro de golfe no Corinthians
(Foto: Marcos Ribolli/GLOBOESPORTE.COM)

Apesar das polêmicas que se meteu fora dos gramados, Ronaldo nunca teve dificuldade em se relacionar. Pelo contrário. Carismático, sempre contou com o apoio dos companheiros. Principalmente nas horas mais difíceis.

- Eu lembro muito bem do retorno do Ronaldo à Seleção, em um amistoso com a Iugoslávia, em Fortaleza. O Felipão reuniu o grupo para a preleção e começou dizendo que o Ronaldo não poderia voltar para marcar, porque estava voltando de uma lesão grave, etc, etc. O Cafu o interrompeu e disse que pelo Ronaldo cada um correria 10% a mais. Foi emocionante.

Nesta segunda-feira, no hotel em que a Seleção Brasileira está concentrada, em Guarulhos, região metropolitana de São Paulo, a CBF, representada pelo presidente Ricardo Teixeira, fará uma homenagem a Ronaldo pelos serviços prestados ao time nacional. À tarde, o ex-atacante participará do recreativo, no último treinamento preparatório para o amistoso com a Romênia. O Fenômeno jogará por 15 minutos.
 

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